A minha visão sobre aquela lançadeira de tecelão

Peguei na lançadeira com as minhas próprias mãos e logo percebi que aquilo era mais que uma simples ferramenta. O velho artesão olhou-me com um sorriso malicioso quando ma entregou – "Esta vai te servir bem", disse ele, e agora entendo o duplo sentido daquelas palavras.

Cada vez que passo a lançadeira pelo tear, sinto-a vibrar de forma estranha. No início pensei que era imaginação minha, mas agora tenho certeza: a madeira rouba pequenas fibras invisíveis do meu trabalho! Nada que prejudique a qualidade do tecido, mas tenho certeza que alguma coisa se perde em cada movimento.

O mais curioso é que nunca vejo para onde vão estas fibras. O velho passa por aqui de vez em quando, observa meu trabalho com um olhar avaliador, mas nunca menciona nada sobre essa pequena "cobrança" que sua lançadeira faz. Acredito que em algum canto escondido do seu ateliê, deve haver um fuso que coleta essas fibras que me são retiradas.

Já tentei trocar de ferramenta, mas o velho se zangou! Disse que as regras da tecelagem tradicional não podem ser quebradas e que todos os aprendizes pagam seu tributo. Não acho justo, mas quem sou eu para questionar? Ele conhece todos os grandes comerciantes de tecido da região.

O pior é que às vezes sinto que aquela lançadeira está conectada ao próprio corpo do velho mestre. Quando trabalho mais rápido, ele parece mais animado no dia seguinte. Quando produzo mais, ele traz doces para o ateliê. Coincidência? Duvido muito!

Os outros aprendizes não falam sobre isso. Alguns talvez nem percebam. Mas eu vejo aquele fio transparente crescendo dia após dia. Não é roubo declarado, é mais sutil – é como se fosse um imposto silencioso que pago por aprender esta arte.

E o mais estranho? Começo a gostar desse sistema. Há algo bonito na forma como essas energias se transferem, como se cada peça que teço alimentasse também o mestre que me ensina. A tecelagem é assim – tudo conectado por fios invisíveis.